segunda-feira, 22 de março de 2010

A übermodel do mercado de capitais


Sorridente, parece mais novo do que nas fotos e nas suas imagens captadas pelas câmeras de TV. O cabelo é castanho claro com um quê de desalinhado na nuca, como daquelas pessoas que tem como tique bagunçar a parte de trás do penteado. As costeletas permanecem brancas, como se fizessem parte de uma de suas muitas superstições. Com uma mãe alemã, Eike é desses brancos que parecem gringos à primeira vista e até por isso surpreende ao falar um português sem qualquer sotaque.

Sorridente. Não tem rugas, nem plásticas aparentes. Como a maioria naquele recinto, usa a camisa azul com a inscrição OSX com um sol ao lado. Essa é a sua nova empresa de logística que deverá construir estaleiros para a empresa petrolífera do grupo OGX. O sol é o símbolo que faz parte da logo de todas as outras ideias-empresas, e, assim como o “X” da multiplicação, faz parte de sua superstição assumida. O visual jovial é completado por uma discreta camiseta preta embaixo da camisa, uma calça jeans e um sapato. Não precisa conhecer marcas, nem entender de moda, para perceber que ele custou caro (melhor nem arriscar quanto).

O relógio é de ouro, mas não carrega o visual nem o deixa com cara de ostentador. Ele bem que poderia. Com US$ 27,5 bilhões em sua conta bancária, Eike Batista pode muito coisa. Hoje o homem mais rico do Brasil, o 8º mais rico no mundo, está mais preocupado em sorrir para os fotógrafos, cumprimentar a todos e deixar seus pequenos olhos azuis ainda mais brilhantes. Mediano e magro esconde as mãos no bolso como um sinal de não estar tão à vontade em meio a tantos cliques. Mesmo assim concorda em posar em frente ao quadro que exibe a descomplicada e quase infantil logotipo de sua nova empresa. Ele sorri.

– É a Gisele Bündchen do mercado de capitais –, dispara a assessora que o acompanha e evita que fale com jornalistas por conta do período de silêncio exigido pela Comissão de Valores Monetários (CVM) no período de oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da nova empresa.

No salão da BM&FBovespa, na parte histórica do centro de São Paulo (SP), Eike circula entre engravatados, jornalistas e câmeras. Está ladeado de painéis eletrônicos. Um deles transmite a Bloomberg, canal de TV norte-americano que exibe notícias econômicas para todo o mundo. Uma equipe da emissora prepara um link ao vivo para transmitir o início das negociações OGX na bolsa valores naquele 23 de março de 2010. A operação representa mais alguns bilhões para sua conta e dinheiro para tornar possível uma empresa na indústria naval que precisa começar do zero. Na verdade, zero não. A expectativa é que só com o lançamento de ações sejam captados no mercado R$ 2,8 bilhões. Dinheiro que sairá dos investidores qualificados, termo que os diferencia dos profissionais que representam corretoras dos pequenos investidores. Os R$ 2,8 bilhões até parecem muito dinheiro, mas são bem menos do que os R$ 5,5 bilhões estimados pelo empresário inicialmente.

Eike sobe sorridente no púlpito da BM&FBovespa para seu discurso. Lembra que não poderá falar muito sobre a nova empresa, justificando que da última vez que o fez, tomou multa da CVM. Prova que os bilionários também não gostam de pagar taxas, mesmo que sejam insignificantes perto de suas fortunas. Agradece à equipe que, “como hamsters atômicos”, correram os cinco continentes para atrair investidores para a nova a empresa. Mas não é um agradecimento qualquer. O obrigado, assim como a conta bancária do empresário, é superlativo: “Meu trilhão de obrigado a vocês!”.

O empresário fala com orgulho que suas companhias geram milhares de novos empregos criando um "Brasil novo". "São empresas 100% dedicadas ao Brasil. Todas demoram de
três a quatro ano para gerar caixa, mas esse dinheiro vai ser aplicado no País", afirmou. Eike mandou ainda um recado para os investidores que criticam suas empresas afirmando que elas são apenas projetos. "Eles dizem que são apenas ideias, ventos. São ventos que vão gerar muito ouro lá na frente", garantiu. Lembra que as regras do mercado brasileiro permitem captar recursos com investidores qualificados antes de começarem a produzir. "A história mudou, não há mais investimentos apenas em empresas que geram caixa. Nós mostramos que é possível fazer diferente”.

No púlpito, o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, lê seu discurso auxiliado por um óculos no meio do nariz. Ele elogia a atitude do empresário que realizou IPOs de suas empresas (MMX, MPX, OGX, LLX e a recém-chegada OSX) nos últimos anos e lhe concedeu um novo título: “Ele é o símbolo do novo capitalismo brasileiro. A OGX, por exemplo, teve o maior IPO da história captando R$ 6,7 bilhões", contabilizou. Eike não rejeitou o título, mas lembrou que não é o único empresário do País a investir. "Temos vários excelentes projetos e empresários. Estamos puxando esse trem juntos", disse.

Ao final do discurso, os diretores da nova companhia foram chamados para subirem ao púlpito ao lado de Eike. São dez ao todo. É hora de tocar o sino e marcar a abertura do pregão e o início dos negócios da nova companhia. O sinal é potente e acompanhado por palmas contagia com um leve arrepio, mesmo que você não faça parte dos bilhões que serão ganhos com a operação. Eike sorri e balbucia um “obrigado, obrigado, obrigado”. Abre a boca e sacode a cabeça num movimento de “yes” sorridente, ainda aperta os sinos com o dedo de uma das mãos. Com a outra mão estende os dedos em sinal de “V”, símbolo de vitória, de paz e amor, gesto tão característico da übermodel das passarelas, Gisele Bündchen. Ele sorri, como se ainda fosse aquele garoto que ganhou seu primeiro milhão aos 23 anos, como conta sua história.

O sino para. As palmas continuam. O pregão virtual está aberto. Ele brinda com champagne barato e copos de vidro. Segue simpático em direção aos jornalistas, encara as câmeras de TV e tira as dúvidas que surgem. Mesmo a OSX tendo como função principal a construção de estaleiros para serem utilizados para exploração de petróleo da OGX, Eike garante que as empresas do grupo são “estanques”, gerando caixas independentes, mas com sinergias entre si.

Aproveitou também para aguçar a ambição dos repórteres presentes e lembrou que qualquer pessoa pode investir em suas empresas. "Vocês são investidores em potencial. Todos podem fazer parte desse negócio. É só estudar qual o melhor investimento para si, assim como estudamos para criar novos projetos". Questionado por mim se o grupo estuda criar novas companhias, ele não descartou a hipótese. "Somos um celeiro de novas ideias", respondeu, abrindo brechas para interpretações.

Quando não pôde mais responder as perguntas feitas pelos jornalistas e achando que já havia cumprido sua missão de falar com a imprensa, terminou o discurso parecendo uma criança que acaba de ganhar uma gincana no programa da Xuxa – a apresentadora que também faz questão do “X” no título de seus produtos: “Quero agradecer meus dois filhos, minha namorada e a presença de vocês”, solta, saindo pela tangente, com sua cara de moleque e com sorriso sapeca no rosto.

A matéria foi publicada no site Jornalirismo. Veja no link:

http://jornalirismo.terra.com.br/jornalismo/14/942-a-uebermodel-do-mercado-de-capitais

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Lírico, documentário revela Manoel de Barros biológico


Diretor diz que precisa de apoio local para filme ser exibido em Campo Grande

Após três anos de produção, onze cortes e exibição na Mostra de Filmes Internacional de São Paulo em 2008, o filme “Só Dez Por Cento É Mentira”, sobre a vida e obra do poeta Manoel de Barros, teve sua pré-estreia na última quinta-feira (14) em São Paulo. Mas, por enquanto, os telespectadores sul-mato-grossenses não poderão assistir ao filme. Ele estréia apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo no dia 22 de janeiro e espera a aceitação do público dos dois maiores centros do País para garantir recursos para ir às outras capitais.

Em Campo Grande (MS), cidade do poeta, no 7º Festival de Cinema que começou sexta-feira (15), nenhum sinal da poesia e da obra sobre de Manoel. “Não tem previsão, não tem dinheiro para isso. Falta convite, vamos ver se acontece”, esquiva-se o diretor Fábio Cézar, sobre a possibilidade de exibição na Capital. Ele afirma que, com poucos, recursos seria mais viável a exibição do longa no formato digital. “Até onde sei não existe uma sala com essa possibilidade na cidade. Teria que haver uma projeção em outro espaço, mas para isso precisa de interesse das pessoas de lá”, diz.

Enquanto a viabilização para exibição da produção em Campo Grande não se concretiza, o documentário revela o ser biológico escondido pelo poeta para paulistanos e cariocas. Um filme que segue o manual de Manuel. “Há várias maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira”, revela uma das passagens.

Com imagens lúdicas, personagens inventados e trilha sonora própria, o documentário embarca nas palavras do poeta e se inspira nela para inventar personagens. Não é um documentário sobre a poesia de Manoel, mas sim, com a sua poesia. Há nele, o inventor de objetos e o guia turístico corumbaense, interpretados por atores que simulam fabricar esticador de horizontes ou guiar turistas pelas paisagens inventadas pelo poeta na cidade pantaneira. E que ao final, se descobre que não passa de um engodo. Um lírico e perspicaz engodo, mas um engodo.

Talvez venha daí a discussão se o filme é documentário. “É apenas um filme”, repete o diretor, com medo de que o rótulo “documentário” espante o público. “Ainda há um estigma, quando se fala que é documentário, as pessoas imaginam algo da TV Cultura. Esse é um filme lírico que tem como protagonista a linguagem e gostaria que assim fosse chamado: "filme”, completa Pedro Cézar.

No “filme”, o diretor começa revelando como conseguiu contato com Manuel, conhecido por sua aversão às entrevistas. “Passei vários dias em Campo Grande tentando falar com ele. Ele pedia que eu fizesse o filme baseado na sua obra, dizia que o ser biológico não interessa, só o letral. Eu respondi, que era só um sonho. Foi quando ele fez um silêncio e topou conversar comigo”, narra o diretor enquanto imagens do céu visto do alto da Avenida Afonso Pena ilustram a tela. A grandiosidade do pôr-do-sol campo-grandense contrastam com aquilo que o autor escreve. “Só as coisas rasteiras me celestam”, diz um dos trechos citado no filme para lembrar que suas palavras se dedicam à pequenez das coisas miúdas.

Quando fala, Manuel justifica sua aversão às entrevistas. “Eu falo e escrevo absurdez. A palavra oral não dá rascunho”. Arredio como uma criança arteira, o poeta lembra que sua inspiração remete a essa fase. “É dela que vem as primeiras sensações, os primeiros ruídos. Só tive infância”, ressalta. Ele lembra que sua obra não é biográfica e que só possui imagem inventada. “Só tenho uma coisa a dizer: 90% do que escrevo é invenção, só 10% é mentira”, escreve, dando deixa para o nome do filme que o retrata. E para quem tenta interpretar o que escreve, ele adverte: “Poesia não é para compreender é para incorporar. Razão é a última coisa da poesia”. Com sua simplicidade peculiar, o poeta diz que não que dar aos leitores informações, mas encantamentos. “Quem descreve não é dono do assunto, quem inventa é”.

Manoel conta que pôde se dedicar integralmente à escrever quando conseguiu viver dos rendimentos de sua fazenda no Pantanal. “Comprei o ócio e virei vagabundo profissional”, diz. Ele acredita que a poesia é a “virtude do inútil” e jura que não sabe o que é inspiração. “Sou procurado pelas palavras, que se apaixonam por mim. Só conheço inspiração pelo nome”, revela. No “lugar de ser inútil”, como denomina seu escritório, Manoel se abre em risadas e mostra os poemas. “É pra isso que eu presto”.

Para os que dizem que seus versos retratam a natureza e o Pantanal, ele rebate afirmando que não é poeta de paisagem, ecológico e que não quer fazer folclore. “Poesia é filha da linguagem não da paisagem, eu invento o meu Pantanal”, diz. Também lembra que seus poemas não formam um soneto e não fazem rima, mas são especialistas em fazer “coisificação do ser, humanização das coisas e vegetalização do ser”.

Entre a revelação de que toma uma dose de pinga ou whisky diariamente, o ser biológico lembra da admiração por Charles Chaplin. “O vagabundo de Chaplin é o herói do nosso século, o desheroi”. Mas o alterego do poeta é Bernardo, caboclo que trabalhou nas fazendas de Barros, personagem presente na sua obra. “Bernardo é quase árvore, o silêncio dele é tão grande, que os passarinhos ouvem de longe”, escreve. Noutra poesia, torna a versar sua admiração pelo pantaneiro. “Pode um homem enriquecer a natureza com a sua incompletude?”

No documentário, o admirador de deseheróis inspira e arranca depoimentos apaixonados da poeta e atriz Elisa Lucinda, do cineasta Joel Pizzini, dos filhos Martha Barros, ilustradora dos livros do pai, e João Wenceslau, morto em acidente de avião, e da mulher, Stella Barros. Eles falam de um Manoel que gostaria de ser lembrado como poeta por considerar que só sua poesia pode salvá-lo da perenidade biológica. E é dela que vêm os melhores silêncios provocados pelo filme.

O tempo só anda de ida

Me procurei a vida inteira e nunca consegui encontrar
- pelo que fui salvo

Imagens são as palavras que nos faltaram

Repetir, repetir até ficar diferente
Repetir é dom do estilo

Olho vê
Lembrança revê
Imaginação transvê
O mundo precisa transver

[Correio do Estado/18/01/2010]